17 de jan. de 2012

Unidade 10

Fórum 15:

O texto “As vanguardas cinematográficas dos anos 20 na Europa” oferece um panorama sobre o tema, ressaltando as especificidades e diferenças entre essas vertentes vanguardistas. Algumas aderiram ao espírito modernizante da época, outras questionaram as idéias então vigentes sobre os benefícios do progresso. Seguiram tendências revolucionárias, mas não necessariamente o fizeram com mensagens explicitamente políticas, como em alguns casos da vanguarda russa. Em outros casos foram mais sutis e ambíguas, como nos filmes sombrios do cinema expressionista alemão, onde o mundo é distorcido até a irracionalidade. No entanto, todas elas compartilharam com as vanguardas das artes plásticas o empenho modernista em romper com a impressão de verossimilhança.

Os autores comentam dois elementos responsáveis pela verossimilhança no cinema. Um deles é notoriamente espacial: a própria constituição da imagem cinematográfica por uma câmera que incorpora a perspectiva renascentista, já que o seu mecanismo se baseia no princípio da câmara escura de orifício – a imagem se constrói segundo a sua convergência em um ponto, que na pintura era o ponto de fuga e no cinema é a abertura do diafragma. Vimos ao longo do curso que a ruptura do espaço perspectivado foi uma das principais contribuições da pintura moderna, especialmente a cubista. Um filme como “Balé Mecânico”, de Fernand Léger, mostra que o diálogo com a espacialidade cubista foi importante para a subversão espacial efetuada no cinema vanguardista.

A câmera empregada em “Balé Mecânico” (1924) era certamente parecida, em termos de mecanismo e estrutura, com a câmera usada para filmar “A chegada do trem na estação de Ciotat” (1895), de Louis e Auguste Lumière, que foi o marco inaugural da história do cinema. Reveja e compare os dois filmes. Você notará facilmente como a obra de Léger trabalha no sentido contrário à impressão de espaço que seria uma característica técnica da imagem, enquanto a obra dos irmãos Lumière apenas confirma a visão perspectivada da filmagem, gerando uma cena ordenada por um ponto de fuga – a linha do trem que se perde no horizonte –, como acontece na pintura tradicional. Reflita sobre os recursos empregados por Léger, e descritos no texto, para “destruir” a ordem e a profundidade da imagem filmada.

Outro elemento destacado, que também responde pela verossimilhança, é especificamente temporal: a progressão narrativa que, pelo encadeamento das seqüências, confere realismo ao filme. Este também foi um assunto abordado no curso – a lógica causal do começo-meio-fim, que se baseia em uma longa tradição narrativa, presente em muitas manifestações artísticas, como a literatura, o teatro e a teledramaturgia. O texto nos fornece ótimas análises de filmes e do discurso de cineastas que mostram como eles subverteram esse padrão de temporalidade. Por exemplo, Jean Epstein explorou a luz como recurso antinarrativo, enquanto René Clair fez uma desconstrução lúdica das convenções de linearidade.

No cinema construtivista soviético foram fundamentais as articulações conceituais criadas pelos cineastas, sobretudo Eisenstein, no chamado “cinema intelectual”. Este “desmontou” tanto a espacialidade quanto a temporalidade da montagem narrativa que no início do século XX já havia se firmado no cinema norte-americano e que até hoje é a base do modelo hollywoodiano. O princípio da “montagem intelectual” explorou a especificidade do tempo cinematográfico através da produção de tensões e contradições na relação entre as partes e o todo do filme. Apesar de fugir do naturalismo da seqüência cronológica, esse princípio não impede a construção de significados e lógicas particulares, e tornou-se uma referência para os cineastas que, desde então, quiseram questionar as estruturas e os meios mais conservadores, predominantes no cinema em geral.

Hoje, quando foram praticamente assimilados até pelo cinema mais comercial, os recursos técnicos e estéticos das vanguardas talvez tenham perdido a sua carga revolucionária, mas ainda são marcantes pela capacidade de perturbar os padrões estabelecidos de percepção. Essa capacidade “a contrapelo da sedução narrativa”, como dizem os autores, é evidente nos filmes “Outubro”, de Einsenstein, e “Um homem com uma câmera”, de Dziga Vertov. Volte ao CD-ROM, reveja e compare-os ao filme “A chegada do trem na estação de Ciotat”.

No fórum debata as diferentes percepções espaço-temporais experimentadas na produção da vanguarda cinematográfica russa e no filme dos irmãos Lumière.


Resposta:

“A chegada do trem na estação Ciotat” mostra uma seqüência obtida por uma câmera imóvel que captou a cena de modo contínuo, sem cortes ou montagens, diferentemente em “Outubro”, são combinadas distintas imagens da divindade com letreiros e estatuetas de Napoleão, prenunciando o que seria a montagem intelectual. Mantendo a denotação de ‘Deus’, as imagens crescentemente discordam de nosso conceito de Deus, levando inevitavelmente a conclusões individuais sobre a verdadeira natureza de todas as divindades. Assim, uma cadeia de imagens procura alcançar um raciocínio puramente intelectual, resultante de um conflito entre o preconceito e seu descrédito gradual a cada passo intencional.

Para Eisenstein, a imagem como unidade complexa ultrapassa o caráter denotativo das representações e propõe uma significação para determinado momento, objeto ou personagem do filme. A imagem não mostra algo objetivamente, mas significa aquilo que está contido em cada uma das representações. Essa síntese é o que desloca o cinema da esfera da ação para a de significação do entendimento.

Também em “Um homem com uma Câmera”, a narrativa é desconstruída através da seleção de recortes e encadeamento temporal de segmentos do material filmado. O filme se organiza por oposição entre planos, com imagens contrastadas e simultâneas, entre o que vê e o que é visto.

Tanto para Einsenstein quanto para Vertov o tempo é descontinuo, a sua linearidade é quebrada e são postos em conflito sentidos antagônicos. A descontinuidade dos planos gera o entrelaçamento de temporalidades diferentes e difusas.


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Questão individual 9:

Podemos definir conceitos de trabalho a partir de coisas que tenhamos visto ou lido e que nos façam pensar sobre o mundo de informações, imagens e objetos em que estamos imersos. Da mesma maneira que conceitos como fragmentação, montagem ou geometria configuram algumas idéias e práticas com as quais podemos pensar certas obras, cada obra, por sua vez, motiva a formulação de sentidos e usos específicos para certos conceitos.

Propomos agora que você mesmo pense em um conceito a partir do que tem experimentado e aprendido no curso. Retome as obras incluídas no CD-ROM, reflita sobre idéias, sensações ou práticas que tenha percebido ser recorrentes ou marcantes em diferentes obras e que despertem o seu interesse. Paense em palavras que sintetizem ou ajudem a configurar essas percepções e, ao mesmo tempo, pense nas obras que sugerem essas palavras e reflita sobre as suas relações. Escolha entre essas palavras uma que lhe pareça trazer boas possibilidades de análise e compreensão das obras, e pesquise sobre os significados dessa palavra, que você tomará como conceito para a realização deste trabalho individual. Utilizando a ferramenta Espaço de Pesquisa no CD-ROM, defina o grupo de cinco a oito obras que considera ligadas a esse conceito.

Elabore um texto, com no máximo uma lauda de extensão, que apresente o seu conceito e explique como percebe a sua relação com cada uma das obras selecionadas, e envie o texto ao tutor.

 
Texto: Tempo

   O tempo é um tema recorrente na tradição filosófica, nos escritos dos poetas e nos ensaios dos historiadores. Jorge Luis Borges, contista e poeta argentino, nos diz:
   “O tempo é a substância de que sou feito. O tempo é um rio que me arrebata, mas eu sou o rio; é um tigre que me despedaça, mas eu sou o tigre; é um fogo que me consome, mas eu sou o fogo”.
   Para o autor, os homens inventaram a metafísica, seja de caráter filosófico, seja de caráter religioso, porque tomaram consciência do tempo.
   Mas o que é o tempo? Como experimentamos o tempo?
   Questões que buscam definir o tempo conceitualmente extrapolam os domínios exclusivos da Filosofia quando encontram na arte, na literatura e no cinema, expressões de linguagens que estruturam a temporalidade não objetivamente, mas como narrativa, na constituição da história a partir da rememoração.
   Em um território fronteiriço entre o pensamento e o imaginário descobre-se variadas espessuras de durações, de ritmo e de entrelaçamentos temporais em obras que nos dão acesso a um conhecimento sensível, a uma dimensão cultural não explicitamente formulada nas demais construções “racionais” (ciência e filosofia).
   No cinema, Auguste e Luis Lumière, foram os primeiros a captarem imagens em movimento, assim podemos observar em A chegada do trem na estação Ciotat de 1895, tal filme nos mostra uma seqüência obtida por uma câmera imóvel que captou a cena de modo contínuo, sem cortes ou montagens.
   No filme Outubro (1927), de Sergei Eisenstein o tempo é descontinuo, a sua linearidade é quebrada e são postos em conflito sentidos antagônicos assim como em Um homem com uma Câmera (1929), Dziga Vertov desconstrói a narrativa, através da seleção de recortes e encadeamento temporal de segmentos do material filmado. O filme se organiza por oposição entre planos, com imagens contrastadas e simultâneas, entre o que vê e o que é visto.
   Em Ent’acte (1924) de René Claire, transformou os sentidos, e permitiu que o tempo corresse livremente, pois o cinema nos traz essa liberdade, mesmo que sejam fotos seqüenciadas nos dão a sensação de movimento, é como se estivesse acontecendo no exato momento em que se observa a obra.
   Na pintura A persistência da memória (1931) de Salvador Dali, o artista procurou subverter a própria idéia de que a realidade possa ser medida e de que a experiência do tempo possa ser controlada racionalmente. Como o título indica, o quadro se refere à memória como um tempo alargado, em que a lembrança do passado retarda o presente e adia o futuro dissolvendo os limites temporais. Claude Monet na obra A estação de Saint Lazare (1877), reconstrói a sensação luminosa de uma situação passageira, eternizando uma fração de segundo.
   Observando tais obras podemos perceber que o tempo se apresenta de várias formas, por isso acima de tudo é relativo. O processo da fotografia está diretamente relacionado com o processo das artes em geral, elas se impulsionam, transformando o tempo ao seu redor. Quando Le Gray, em 1856, fotografou a Onda, o ato de captar os movimentos das águas do mar de forma tão nítida e fiel revolucionou a fotografia e congelou o tempo no instante da onda do mar, onde bastaram apenas alguns segundos para estar sensibilizado e menos ainda para sensibilizar o olhar do observador.
   O Trenzinho (1966) de Mira Schendel, feito de frágeis folhas de papel penduradas em um fio, nos remetem a fragilidade do tempo.
   Todos estes artistas modificaram os sentidos das coisas, modificando também as artes em geral e assim transformando o seu tempo, tempo este que também transforma o olhar.

Alice: Quanto tempo dura o eterno?
Coelho: Às vezes apenas um segundo.
(Alice no País das Maravilhas – Lewis Carrol)

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